quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Circular: "Que nasci no ano de 1908, você já sabe. Você não deveria me pedir mais dados numéricos. Minha biografia, sobretudo minha biografia literária, não deveria ser crucificada em anos. As aventuras não têm tempo, não têm princípio nem fim. E meus livros são aventuras; para mim, são a maior aventura. Escrevendo, descubro sempre um novo pedaço do infinito. Vivo no infinito; o momento não conta. Vou lhe revelar um segredo: creio já ter vivido uma vez. Nessa vida, também fui brasileiro e me chamava João Guimarães Rosa. Quando escrevo, repito o que vivi antes. E para essas duas vidas um léxico apenas não me é suficiente. Em outras palavras: gostaria de ser um crocodilo vivendo no rio São Francisco. O crocodilo vem ao mundo como um magister da metafísica, pois para ele cada rio é um oceano, um mar da sabedoria, mesmo que chegue a ter cem anos de idade. Gostaria de ser um crocodilo, porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma do homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranqüilos e escuros como os sofrimentos dos homens. Amo ainda mais uma coisa de nossos grandes rios: sua eternidade. Sim, rio é uma palavra mágica para conjugar eternidade. A estas altura, você já deve estar me considerando um charlatão ou um louco."
(João Guimarães Rosa em entrevista a Günter W. Lorenz)

Nenhum comentário: