quinta-feira, 30 de agosto de 2007

O reino e o poder no "Estadão"

Uma sugestão de leitura para jornalistas e estudantes de jornalismo: a revista Piauí publicará em setembro um longo texto do jornalista Sandro Vaia sobre o Estadão e a família Mesquita (à la Gay Talese falando do The New York Times e dos Sulzberger, se o leitor me permite uma comparação). Vaia é um insider: trabalhou durante 40 anos no Grupo Estado, foi diretor de redação e conhece os processos decisórios da cúpula do jornal como poucos. Vai repercutir, claro. O texto, escrito em primeira pessoa, abre com o telefonema que ele recebeu, em 2000, quando foi convidado para assumir a chefia da redação, no calor do escândalo policial que envolveu seu antecessor, o psycho-killer Antônio Marcos Pimenta Neves, assassino confesso e um dos personagens do artigo (a crise que o jornal viveu por causa desse episódio também aparece no relato de Vaia). Outro tema inescapável para o autor é a própria família Mesquita, que em 2003 deixou a gestão dos negócios e hoje forma o conselho de administração do Grupo Estado. Sandro Vaia escreve, por exemplo, sobre as disputas entre os filhos de Ruy Mesquita, o "Dr. Ruy", atual diretor de opinião do jornal. E esclarece de forma elegante os meandros das divisões dentro da família - que ele chama de "os Bancrofts paulistanos". O texto segue a tradição do jornalismo americano de registrar, em reportagens e livros, a história dos grandes jornais e revistas. Talese fez isso em "O Reino e o Poder"; Susan E. Tift e Alex S. Jones fizeram isso ao escrever a "biografia" do The New York Times (indispensável, aliás); e Katharine Graham lançou "Uma História Pessoal", apenas para citar três obras. No Brasil, lembro apenas de "A Regra do Jogo", de Cláudio Abramo; da biografia de Octavio Frias de Oliveira, escrita por Engel Paschoal; e de "Notícias do Planalto", de Mario Sergio Conti (que atualmente é diretor da Piauí ). A seguir, dois trechos do texto de Vaia:

"No 1o de outubro de 2000, Fernão e eu fomos apresentados à redação numa reunião com os editores. O período Pimenta, com seu desfecho brutal, tinha sido um trauma. Eu vinha da Agência Estado e, nos últimos dez anos, as duas redações não dividiam as mesmas mesas de churrasco. A partilha da empresa em sesmarias de acionistas, com visões e interesses diferentes, tinha erguido muros virtuais e aberto feridas. Dos seis grupos acionários que dividiam o controle da empresa, três eram considerados de ‘jornalistas’ – o do doutor Ruy e seus filhos, o do casal de filhos de Julio Mesquita Neto e o da maior herdeira individual, a filha de Luiz Carlos Mesquita, o Carlão. Os outros três eram grupos de ‘empresários’, ou ‘administradores’. Cada um deles tinha seus subgrupos, alas e facções, que combatiam as suas próprias guerras do Paraguai."


"O doutor Ruy vê com impotente resignação as mudanças da indústria jornalística, a evolução dos novos meios eletrônicos, a perda progressiva de influência dos jornais de papel, a profissionalização das empresas, antes controladas por famílias, cada vez mais transformadas em apêndices de conglomerados financeiros. Ele gostava de chamar o jornal de "indústria do desperdício", porque exige investimentos altíssimos, em recursos materiais e humanos, para produzir dez vezes mais conteúdo do que seria capaz de publicar. A produção abundante cria opções e, com alternativas, é mais fácil optar pela qualidade, ele defende, para desespero dos gestores, para quem abundância é custo. Sempre lutou, nas trincheiras a seu alcance, contra cortes indiscriminados nas redações, porque aos poucos eles minam a qualidade do jornal. Mas, como a divisão clássica da família entre jornalistas e gestores não lhe deixava espaço, nem paciência, nem habilidade para prestar muita atenção em questões de custos e de administração, as reduções cíclicas acabaram acontecendo sem que ele lhes dedicasse mais que algumas horas de aborrecimento e azedume."

Um comentário:

Sidarta Martins disse...

Olá,

fiz um texto crítico sobre um novo tipo de jornalismo que o Grupo Estado de S. Paulo está de testando no JT.

Coloquei um link para este texto seu sobre a família Mesquita.

Se quiser dar uma olhada:

http://nacal.blogspot.com/2008/04/me-dinh-diretora-de-redao-do-jornal-da.html

Abraços,