quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Circular: "Mas, ainda que se trate de uma inação, a arte de não escrever não pode ser confundida com a preguiça, pois, ao contrário desta, requer método e força de vontade, e, se se pode falar em exercício, é o da ascese. Em termos mais práticos, seria comparável a parar de fumar ou aos regimes alimentares: a cada cigarro que você não fuma, a cada substância gordurosa de que se abstém, o ar penetra mais puro em seus pulmões, o sangue flui límpido por suas veias. Assim é também com a palavra: a cada uma delas não escrita, a atmosfera se torna menos rarefeita, a vida corre solta, a chuva e a noite caem sem nenhuma interferência sua e você, sem dar-se conta disso, tornou-se personagem em vez de autor. O resultado, uma vez vencido o medo inicial, é comparável a jogar-se num espaço sem fim. Se, para além dele, encontra-se a morte, esta também não é um obstáculo sólido. De todo modo, qualquer tentativa de evitá-la, outra grande motivação dos escritores, acaba por revelar-se fútil. Porém, se, apesar de tudo, a necessidade de expressar-se por escrito brota dentro de alguém como uma toxina endógena, é melhor expelí-la em palavras, sabendo sempre que a fonte é inesgotável; que escrever é como matar baratas com o sapato, elas continuam a se multiplicar, como neste ensaio aqui. Diante da contradição em que ele implica, o autor argumenta, em sua defesa, que talvez possa contribuir na formação desses seres tão singulares: os homens e mulheres comuns." (Sérgio Sant`Anna, "Jornal do Brasil" de 19/01/92)

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