Circular (um pouquinho mais longa; hoje é domingo e dá tempo de ler): "Eu, Renato Ribeiro Pompeu, conhecido como Renato Pompeu, brasileiro, 57 anos, jornalista desde 1960, venho por meio desta comunicar a quem interessar possa que, a partir de 16 abril de 1999, mudei de ramo de atividade, com o objetivo de poder desligar-me da imprensa e assim poder continuar sendo, como sempre fui, jornalista, o que praticamente deixou de ser possível na imprensa. Tornei-me o sócio majoritário da Drogaria Ginseng Ltda., no prédio em que moro, na Rua Cardeal Arcoverde, 2.205, no bairro de Pinheiros, em São Paulo, capital, onde terão desconto de pelo menos 5% os jornalistas, os sindicalizados em geral, filiados a qualquer partido político ou membros de qualquer ONG ou entidade cultural, escritores e artistas, professores e estudantes do fundamental, secundário e superior. Também haverá descontos, além de a aposentados, a desempregados e a quem ganhar menos do salário mínimo tal como deveria ser a partir dos cálculos do Dieese.
Assim, tendo uma base de sustentação, vou passar a produzir para os meios de comunicação apenas textos jornalísticos no sentido técnico e profissional do termo. Não mais pretendo escrever sobre assuntos sem importância jornalística. Nunca escrevi mentiras, ou o que eu achasse que não era verdade (a não ser como ficcionista), mas muitas coisas de interesse público de que tenho conhecimento jamais puderam ser publicadas. Agora pretendo, sobre cada assunto, escrever tudo que sei e achar relevante e puder provar. Também não pretendo mais trabalhar nas condições em que estão sendo forçados a trabalhar os jornalistas assalariados ou com contrato de prestação de serviços. Essas condições, em geral, são as seguintes:
*A imprensa é forçada, para ter público, a defender os valores da democracia, da igualdade de direitos e outros valores humanistas e progressistas, valores que são totalmente desrespeitados nas redações, onde reina um autoritarismo despótico, uma desigualdade flagrante, em especial entre homens e mulheres, e métodos de gestão que estão sendo abandonados há muito até mesmo nas fábricas; em todo o mundo se incentivam, nas empresas mais modernas, a gestão participativa, a autonomia para tomada de decisões no setor de sua competência, o respeito à individualidade de cada um, o estímulo à criatividade de todos.
*A imprensa só usa os avanços tecnológicos para cortar custos. Com base em que as modernas tecnologias de texto permitem a uma só pessoa fazer os trabalhos de apuração, checagem, redação, edição e revisão, foi eliminado um sem-número de funcionários que antes tinham cada um uma função específica. Isso não leva em conta que as tecnologias novas abrem possibilidades, mas demora muitos anos para que surjam profissionais com competência para concretizar essas possibilidades. Por exemplo, a máquina de escrever surgiu no Brasil antes de 1890, mas nos anos 1950 a escritora e jornalista Patrícia Galvão, a Pagu famosa, como redatora da Agence France Presse, e que não era nenhuma incompetente, ainda ditava seus textos a um datilógrafo profissional. Desde os anos 60, todos os jornalistas sabem teclar textos (com raríssimas exceções vindas da fase anterior), mas muito poucos são capazes de fazer todo e qualquer tipo de trabalho jornalístico. Assim se multiplicam os erros grotescos de digitação e de revisão, para não falar de apuração, edição, redação e checagem – exatamente como surgiriam erros grotescos se a Pagu tivesse de datilografar. Note-se ainda que as novas tecnologias não são adotadas quando melhoram o produto e o serviço mas não cortam custos. Se cada editoria tivesse um grupo de jornalistas, ou pelo menos um, vasculhando ininterruptamente a Internet sobre os vários temas em pauta, o nível informativo melhoraria muito, mas isso não reduz custos e praticamente não é adotado.
*Grande parte dos chefes se tornaram meros fechadores. Um editor de seção, por exemplo, teria de dominar o âmbito de sua editoria, ter fontes próprias, ter informações não de outras mídias e sim estar por dentro de fato dos assuntos cuja cobertura orienta. Tem de circular na sociedade, seja pessoalmente, seja pelo telefone, seja pelo correio eletrônico, seja por fax. Teria, acima de tudo, de assumir a responsabilidade pela procedência das notícias e dados que manda publicar. No entanto, quando surge qualquer falha no noticiário, quem paga o pato é algum subalterno ou subalterna inexperiente.
*As promoções e demissões, em grande parte das redações, não são decididas a partir da competência profissional de cada um ou cada uma, e sim pelas ligações pessoais com as chefias, ou seja, pela antiquada e obsoleta ética do favor, do clientelismo, do assédio; uma redação é mais parecida com uma fazenda de coronéis, agregados e colonos do que com uma empresa capitalista ou pública.
*Permitam-me acrescentar um item pessoal: para mim é muito difícil conviver com homens que não gostam de mulheres. Sou fã convicto e notório de mulheres em geral. Como as mulheres são particularmente destratadas nas redações, esse ambiente se tornou insuportável para mim, além de pelos itens citados, também por essa razão.
Pretendo continuar sendo jornalista, na medida do possível, e para isso tenho de me afastar do jornalismo e, nesse ramo de mídia, só trabalhar por empreitada.
De agora em diante, na imprensa e mídia em geral, só farei jornalismo e nada mais (exceto como ficcionista) e, como, por já ser quase sexagenário e ter muitas responsabilidades em relação a outras pessoas, não tenho mais condições de enfrentar as agruras (e nem o dirigismo) das mídias ditas alternativas, me tornei comerciante para poder bancar essa situação de jornalista por empreitada.
Como saúde também é cultura, e como cultura também é saúde, haverá um cadastro das compras de cada freguês(a), e, quando um ou uma cliente acumular gastos de 50 reais, terá direito a uma lauda minha sobre qualquer assunto (já que sou jornalista especializado em jornalismo). Quando os gastos superarem 300 reais, a cliente ou o cliente terá direito a uma palestra minha de hora e meia, sobre o assunto solicitado, para até seis pessoas à sua escolha, durante a qual, com meu acervo de obras de referência, inclusive eletrônicas, tentarei responder a qualquer pergunta que me seja feita.
Muitas drogarias dão brindes e estes são os brindes que posso proporcionar. Quem tiver interesse nesses serviços, e não quiser comprar nada na drogaria, terá de pagar 30 reais por lauda e, no caso de jornalistas, ou quaisquer finalidades de lucro, a tabela do sindicato. A palestra de hora e meia fica em 180 reais (30 reais por pessoa). Tanto os textos como as palestras, no caso de não-clientes da drogaria, entram no lema satisfação garantida ou seu dinheiro devolvido na hora – mas, se eu julgar que a pessoa está abusando do direito de não me pagar, por eu ter prestado um serviço que me pareceu adequado, não prestarei mais serviços de nenhuma espécie a essa pessoa e exigirei a devolução imediata da lauda ou laudas, já que a palestra não pode ser devolvida.
Só assim, nas condições atuais, poderei me manter com independência suficiente para garantir um mínimo de nível técnico e profissional nos meus trabalhos jornalísticos por empreitada, já que não pretendo mais ser empregado, nem assinar contratos de prestação de serviços. E me disponho em particular a coordenar trabalhos práticos e atividades de pesquisa dos estudantes e outros interessados na área de humanas, nas condições acima expostas.
Sem mais, agradeço a atenção e aguardo quaisquer retornos."
(Renato Pompeu, "Saúde também é cultura, cultura também é saúde", copyright Caros Amigos, maio/99)
domingo, 9 de dezembro de 2007
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4 comentários:
sensacional!!!
sensacional!!!
sensacional!!!
é pra chorar?? me figou.
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