Circular: "As pessoas tendem a ver o escritor como uma fonte de sabedoria, não é?
Acho que uma fonte de sabedoria temos nós todos. Sabemos muito, muitíssimo mais do que aquilo que imaginamos. É evidente que, quantitativamente e qualitativamente, sei muito menos do que o Einstein sabia; mas o que sei ou qualquer pessoa sabe é tão digno de consideração quanto aquilo que o Einstein tinha para dizer. E dou já um exemplo próximo. O meu avô materno, que está ali (aponta para uma foto), que se chamava Jerónimo, era pastor de porcos. Ele e minha avó (Josefa) viviam numa casa muito pobre, o chão de barro, telha-vã. Meu avô teve um acidente vascular pequeno, meus pais levaram-no para se tratar em Lisboa e ele morreu poucos dias depois. Quando saiu de casa para ir para a estação do caminho de ferro... Ao lado da casa havia um quintal onde se cultivavam umas figueiras e oliveiras. E meu avô, analfabeto, homem simples, sem nenhuma das sofisticações da civilização, nem, aparentemente, das sofisticações dos sentimentos, foi de árvore em árvore, abraçou-se a cada uma delas, chorando. Ele adivinhava que não voltaria. Por que é que conto isso? É que o meu avô, ao fazer isso, estava a dizer a mim que ele sabia muito mais. E esse saber não é o saber coisas, não é o saber dados. É outra coisa, tem que ver com a relação que há entre a pessoa e o mundo, e é dessa relação que, no fundo, tento falar com os meus livros.
(José Saramago, trecho da entrevista dada a Humberto Werneck, publicada na Playboy de outubro de 1998; do arquivo de Renato Modernell)
segunda-feira, 31 de março de 2008
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